9.11.07

A Via Láctea


Poema recitado no belíssimo filme brasileiro "A Via Láctea"


Chuva Interior

"Quando saia de casa
percebeu que a chuva
soletrava
uma palavra sem nexo
na pedra da calçada.


Não percebeu
que percebia
que a chuva que chovia
não chovia
na rua por onde
andava.


Era a chuva
que trazia
de dentro de sua casa;
era a chuva
que molhava
o seu silêncio
molhado
na pedra que carregava.


Um silêncio
feito mina,
explosivo sem palavra,
quase um fio de conversa
no seu nexo de rotina
em cada esquina
que dobrava.


Fora de casa,
seco na calçada,
percebeu que percebia
no auge de sua raiva
que a chuva não mais chovia
nas águas que imaginava."


Mário Chamie

25.10.07

Sensações

O tato:
- jogar o lençol pra cima bem alto e deixá-lo cair, tocando suavemente minha pele;
- friccionar os pés na cama até que fiquem levemente dormentes... aí então, tocá-los com os dedos;
- mexer os dedos dentro de um pote de farinhas...daquelas bem fininhas... chega a fazer barulho;
- com a mão espalmada na piscina, vencer a tensão da superfície da água;
- cabelo de neném;
- cafuné;

O olfato:
- cheiro de bolo no forno;
- terra molhada;
- perfume de homem (Uommni Sport);
- gasolina;
- canela;
- incenso;
- éter;
- livro novo;

Paladar:
- chocolate;
- canela;
- pimenta;
- gengibre;
- lágrima;
- vinho do Porto;

Audição:
- risadas;
- chuva batendo na janela;
- violino;
- pássaros cantando de manhã;
- o vento na jalela do carro;
- o mar;
- sussurros ao ouvido;
- relâmpagos;
- batimentos cardíacos fetais no ultra-som;

Visão:
- raios;
- Monet;
- horizonte;
- verde;
- sorrisos;
- o Sol nascendo na Niemeyer, o crepúsculo no recreio;
- caleidoscópio;
- fotografias;

Aceito comentários com acréscimos pessoais à minha lista.

18.10.07

Dirigindo no escuro



"Quem olha para fora sonha,
quem olha para dentro acorda."
(Carl Gustav Jung)
Sonho às vésperas da formatura:


Noite. Estrada escura e sinuosa. Dirijo meu carro sozinha, guiada pelos faróis à frente. Caminho difícil - tortuoso e traiçoeiro. De início me tranquilizo por fazê-lo apenas seguindo os que estão adiante.
Mas, passado algum tempo dirigindo assim, me canso da segurança passiva e sou invadida por inquietude e irritação... E, subitamente, carros e caminhões encostam e sinalizam, dando passagem.


Agora, sigo meu caminho. Com a estrada escura e o desconhecido à minha frente. Só. Eu. Liderando minha vida, fazendo minha estrada, sem faróis alheios a me guiar.

16.10.07

Paciência


Existem dias que acordo com mais paciência... são meus melhores, mais calmos e bem dispostos.


E mesmo que aparentemente "nada" aconteça, eu aconteço.


Aconteço longe da agitação.


Respiro, renovo, mudo.


E nesses dias ando, de mãos dadas com a vida.


Os dias tem sido bons.

12.8.07

O ipê amarelo


Flores me lembram uma infância boa: interior de Minas; um ipê amarelo cresce junto ao muro do colégio.... Soninha, em nossos passeios, me fazia uma coroa - com linha e as pétalas amarelas enfileiradas. Eu, princesa, coroada por flores, andava pela cidade com meus longos cabelos a balançar.... Castelos inventados e um mundo de sonhos. Milhares de sonhos. Perfume, doce alegria, liberdade, crianças sorrindo...
Um dia... cortaram o ipê amarelo! – “fazia muita sujeira” – disseram homens sem sonhos.
Desde então, não tenho mais coroa e as pétalas não mais enfeitam meus cabelos. Mas ainda tenho sonhos bons e alma de criança. E, às vezes, ainda acordo sentindo o perfume da cidade, das flores, ouço Soninha rindo.... É, às vezes, ainda acordo princesa.


13.1.07

La tormenta

Eu quero ter voz! Quero ser ouvida! Quero falar uma frase até o final sem ser interrompida. Contar uma história inteira sem que se levantem pra tirar os pratos; sem que aumentem o som da tevê... Porque pouco importam as chuvas e as enchentes diante das minhas tormentas!
Quero contar sobre a minha viagem, sobre o livro que eu li e sobre um filme bom que vai estrear. Falar os planos que fiz pro meu ano, os concursos, os estágios; contar um dia cansativo e uma piada que ouvi na rua. Quero falar da vida, religião, política e da minha pele que descasca depois de tanto Sol. Porque é importante pra mim.
E tão importante quanto falar bem é saber ouvir.